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VITAL BRAZIL

VITAL BRAZIL

(...) Anteontem uma notícia trágica esfaqueou meu coração. Um dos filhos do meu meeiro – ele tem dez! – de quatorze anos, rapazote sacudido e trabalhador, foi carpir o catingueiro roxo. Ouviu o cascavelar dos malditos crotalos e sentiu a picada no pé descalço. Cascavel. Picada mortal! Felizmente, meu amigo e vizinho, Dr. Batalha, socorreu. Deu-lhe a injeção específica: soro antiofídico para cascavel (...) a finalidade imediata desta crônica: abençoar, louvar e exaltar Vital Brazil! Onde há estátua que celebre a glória de tão grande brasileiro? (...) A obra de Vital Brazil é tão importante quanto a de Fleming ou do Dr. Salk. O Cientista patrício é digno de estar na gratidão da humanidade como os que descobriram a penicilina ou a vacina contra a poliomielite... Ao ver ressuscitar o garoto, tão trabalhador, devemos ao cientista. E pensei na estátua que será o altar de um culto: o da gratidão de todos os brasileiros. (Menotti Del Picchia, 1892-1988)1

 

       Vital Brazil Mineiro da Campanha nasceu em 28 de abril de 1865, em Campanha, MG, e faleceu em 8 de maio de 1950, aos 85 anos, no Rio de Janeiro. É o primeiro filho de Mariana Carolina Pereira de Magalhães e José Manoel dos Santos Pereira Junior. Teve 6 irmãs e 1 irmão, todos(as) com nomes peculiares2, decorrentes da imaginação de seu pai inspirado nas circunstâncias e nos locais de nascimento para batizá-los(as).

       Seu desejo pela medicina surgiu ainda na infância, quando ocorreu um surto de varíola em Caldas e ele serviu de elemento vacinífero para o celebre médico sueco que ali vivia desde 1841, Dr. André Regnell (1807-1884)3.

     Vital Brazil se tornou um dos grandes nomes na História das Ciências da Saúde, foi um dos pioneiros da Medicina Experimental no Brasil e o precursor da Toxinologia nas Américas. Por estes e outros motivos a seguir registrados, está eternizado como Herói da Pátria no Panteão da Pátria em Brasília, DF, e é patrono da Cadeira nº 15 da Classe de Ciências da nossa Academia Fluminense de Letras.

       Atravessou dificuldades para conseguir trabalho que garantisse recurso suficiente para se mudar para o Rio de Janeiro e entrar para Faculdade Nacional de Medicina. Apesar de ter intencionado pesquisar sobre o ofidismo para o seu trabalho de conclusão de curso, foi desestimulado por diversas razões por seu orientador, principalmente pela falta de laboratório e de segurança para lidar com as serpentes. Foi um dos dois estudantes escolhidos para trabalhar em um dos consultórios mais concorridos da Santa Casa, com o Dr. José Pereira Rego (1816-1892)4, Barão do Lavradio, considerado precursor dos sanitaristas brasileiros.

       Após sua formatura, em janeiro de 1892, retornou para São Paulo, e sob a orientação do Dr. Cesário Motta (1847-1897)5, se engajou na estruturação do modelo de Saúde Pública pós-proclamação da República. Esteve na frente de combate às epidemias que castigavam o país, febre amarela, cólera e varíola. Em 1895, em Botucatu, em meio a sua rotina médica foi chamado a socorrer uma jovem picada por serpente que não resistiu e faleceu. A partir de então abraçou definitivamente o combate ao ofidismo.

       Em 1897, retomou o combate às epidemias junto aos amigos sanitaristas, entre estes, Adolfo Lutz (1855-1940), Emilio Ribas (1862-1925), Victor Godinho (1862-1922) e José Bonilha de Toledo (1871-1903). Entrou para o Instituto Bacteriológico. Em 1899, foi o primeiro a diagnosticar o surto da peste bubônica em Santos, SP. Contraiu a doença e ao voltar para São Paulo, ainda convalescente, em 4 de novembro, inicia a inoculação de cavalos para a produção de soros, ao lado do então Hospital de Isolamento, hoje Instituto Emilio Ribas, antes mesmo da aquisição da fazenda Butantan. Suas pesquisas sobre os envenenamentos por animais contribuíram para o estabelecimento de um novo conceito para as ciências biomédicas, a hoje denominada especificidade antigênica, base da Imunologia.

(...) Vital Brazil, já no começo de suas atividades no Instituto Bacteriológico em 1897, inicia o preparo de soro antiveneno ofídico, verificando que o soro anticrotálico dava uma pequena proteção contra o veneno de jararaca, enquanto o antijararaca não protegia nada contra o veneno crotálico; demonstrou assim a especificidade dos soros antivenenos ofídicos, noção que não existia (...) Pelo pequeno sumário de uma parte dos trabalhos de Vital Brazil pode-se fazer uma apreciação de seu valor científico e de sua atividade incansável pois em todos os assuntos sobre veneno e envenenamento por animais peçonhentos estudou e experimentou, criando um grande cabedal de conhecimentos que compreendeu, organizou e difundiu. (Gastão Rosenfeld, 1912-1990)6

       Pioneiro na divulgação científica e na prática da ciência cidadã, implantou postos antiofídicos em cidades e regiões do país, sobretudo, no interior. Lançou e dirigiu periódicos referenciais para o conhecimento médico, publicou dezenas de artigos em diferentes línguas e em revistas de outros países. Em 1917, recebeu a patente do soro antiofídico e, imediatamente, a doou ao Governo para benefício da população brasileira. Destaca-se a fundação do Instituto Vital Brazil, em 03 de junho de 1919, Niterói, em parceria com o Estado do Rio de Janeiro. O IVB se tornou, também, um marco de excelência do fazer científico. Foi no IVB que a vacina BCG foi introduzida e produzida pela primeira vez no país:

(...) rememorando nesta reunião de cientistas... porque há honras que não se rejeitam e os méritos do Dr. Vital Brazil já estão consagrados, não precisam da nossa amizade, benevolência, e pairam acima de quaisquer favores. (Emílio Ribas, 1862-1925)7

       Vital Brazil se casou duas vezes e teve 22 filhos; 18 chegaram à idade adulta. A primeira união ocorreu em outubro de 1892, em SP, com Maria da Conceição Philipina de Magalhães – Nhazinha (1877-1913), e a segunda em setembro de 1920, em Niterói, com Dinah Carneiro Vianna (1895-1975).

       Ao final de um programa da Rádio Nacional dedicado a contar a sua trajetória, homenagem recebida poucos meses antes de falecer, Vital Brazil se pronuncia assim:

Não tenho orgulho de minha pobre ciência, mas estou satisfeito com minha alma e o meu coração. Para uma alma bem formada, não há como fazer bem aos outros e o bem que consegui fazer é que conforta e tranquiliza meu velho coração. Obrigado, amigos.8

Antônio Joaquim Werneck de Castro

Ex-Presidente da SOBRAHSP / Ex-Presidente do Instituto Vital Brazil

(colaboração de Érico Vital Brazil)

Notas:

1 Cobra, Menotti del Picchia – crônica publicada no Correio Paulistano, em junho de 1955.

2 Nomes das irmãs e irmão de Vital Brazil: Maria Gabriela do Vale do Sapucahy (Mariquinhas); Iracema Ema do Vale do Sapucahy; Judith Parasita de Caldas (Sinhá); Acácia Sensitiva Indígena de Caldas (Vidinha); Oscar Americano de Caldas; Fileta Camponeza de Caldas (Benzica); Eunice Peregrina de Caldas.

3 Anders Fredrik Regnell (1807-1884), renomado médico e botânico sueco.

4 José Pereira Rego, Barão do Lavradio (1816-1892), médico, da Ordem Imperial da Rosa, da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Ordem de Francisco José da Áustria. Membro Titular e aclamado Presidente Perpétuo da Academia Imperial de Medicina. Membro Correspondente da Real Academia Médica de Ciências de Lisboa, da Société Française de Hygiène e da Reale Accademia di Medicina di Torino.

5 Cesário Nazianzeno de Azevedo Motta Magalhães Júnior (1847-1897), médico, sanitarista, escritor e político.

6 Gastão Rosenfeld (1912-1990). Mem. Inst. Butantan, 34:X-XVI, 1969. Gastão Rosenfeld, médico e bioquímico.

7 Emilio Marcondes Ribas (1862-1925), médico sanitarista, diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo promoveu experiências determinantes para comprovar a transmissibilidade da febre amarela pelo mosquito.

8 Érico Vital Brazil, pesquisador, presidente da Casa de Vital Brazil, neto do cientista.

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